O Grupo de Pesquisa em Recursos Hídricos, integrado por André Montenegro, Francisco Matos e ainda pelos pesquisadores Milton Mata (UFPA), Mário Ribeiro (UFPA) e Itabaraci Nazareno (Universidade Federal do Ceará/UFC), prossegue as investigações, mas necessita de recursos financeiros para confirmar as informações iniciais reunidas com base no cruzamento de dados provenientes da perfuração de poços para a pesquisa petrolífera e poços de extração de água construídos em Santarém, Manaus e outras localidades.
“Os poços da pesquisa de petróleo perfurados pela Petrobras, por exemplo, foram fontes importantes de informação, porque, sendo bastante profundos, fornecem indicações sobre a espessura dos aquíferos. Já com os poços para abastecimento, chegamos a parâmetros hidrogeológicos fundamentais para se ter ideia do volume e da produtividade de água do Alter do Chão”, explica o orientador da pesquisa, professor Francisco Matos. Cerca de 40% do abastecimento de água de Manaus é originário do aquífero Alter do Chão, como também é o caso de Santarém e de outras cidades situadas sobre a Bacia Sedimentar Amazônica.
Protegida da contaminação
O aquífero é um tipo de formação geológica capaz de armazenar e liberar a água. Há outras unidades que podem armazenar, mas não permitem que a água que está dentro delas seja utilizada. Para fazer uma analogia, o aquífero seria como uma esponja, como as que servem para lavar louças em casa. A esponja fica cheia d’água, mas se ela for movimentada ou pressionada, a substância é liberada.
O nome Alter do Chão se dá em referência a uma das mais belas praias do País, situada na região de Santarém. Segundo Francisco Matos, a existência desse aquífero já é conhecida na literatura da área desde a década de 50. “Ainda não temos uma avaliação exata sobre a sua real extensão e a quantidade de água que contém. A novidade da pesquisa de André Montenegro é, justamente, o valor apontado de 86,4 quatrilhões de litros de água, que é, realmente, uma coisa fabulosa em termos de reserva”, ressalta o professor Francisco Matos.
As águas subterrâneas representam a maioria das águas no mundo. “Se você pensar, por exemplo, no caso da Amazônia, as águas visíveis, ou seja, as contidas nos rios, lagos, chuvas, representam 16% do total existente, enquanto 84% correspondem à água subterrânea”, explica o professor. Isso quer dizer que os aquíferos são grandes depósitos de água de qualidade, pois as águas subterrâneas são muito mais protegidas do que as águas superficiais, uma vez que estão menos sujeitas a processos externos de contaminação.
É assim que os aquíferos da Amazônia, na relação que estabelecem com as outras formas de ocorrência de água, dentro do chamado ciclo hidrológico, agregam grande valor ambiental, econômico e estratégico. Além do Alter do Chão, outro aquífero importante na região é o denominado Pirabas, situado em profundidades entre 100 e 120 metros. Ele oferece água de excelente qualidade na Região Metropolitana de Belém e é responsável por, aproximadamente, 20% do abastecimento público.
No Brasil, há outros aquíferos importantes, como é o caso do Guarani, considerado o maior aquífero nacional e com grande valor estratégico, pois está em uma região com grande demanda de água, abrangendo os Estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, estendendo-se à Argentina, ao Paraguai e ao Uruguai. No Nordeste, estão os aquíferos Urucuia (BA), Serra Grande(PI) e Cabeças (MA).
Valor estratégico da reserva
Extrapolando o contexto amazônico e analisando o contexto mundial, a água é um recurso que, em grande parte do planeta, está se tornando escasso. Do total de água existente no mundo, 97,5% são de águas que se encontram nos oceanos, ou seja, água salgada, restando apenas 2,5% de água doce, dos quais, 1,75% se encontra em calotas e geleiras polares. Sobra, portanto, tão somente 0,75% que ainda precisa ser repartido entre cerca de seis bilhões de pessoas (total de habitantes da Terra).
Em se tratando dessa escassez, o pesquisador da UFPA André Montenegro Duarte, com base nas pesquisas realizadas acerca do aquífero Alter do Chão, propõe um conceito que visa a preservação das águas mundiais denominado valor do “não uso”. Esse conceito surgiu há, mais ou menos, 60 anos, mas ainda é muito pouco difundido, tanto no meio econômico como na sociedade em geral. A definição parte do princípio de que os recursos naturais têm um valor de uso, direto ou indireto, como é o caso da água e, o de “não uso”, que é o valor de existência desse bem.
Isso quer dizer que o recurso ganha valor e importância pelo simples fato de ser mantido na natureza. “Para citar um exemplo, pensemos no Rio Amazonas, cuja extensão é imensa. Além dos recursos em fauna e flora que nele podemos encontrar ou mesmo da própria água que contém, o Rio tem um imenso potencial de transporte. Esses aspectos lhe conferem valor econômico. E justamente devido à riqueza que oferece, o Rio Amazonas também tem valor só por existir”, explica André Montenegro. No caso do aquífero Alter do Chão, as dimensões impressionantes que possui permitem que seja utilizado de forma sustentável como recurso econômico e, ao mesmo tempo, como reserva estratégica.
Em outras palavras, o conceito do “não uso” gira em torno da consciência da sociedade de que o recurso natural pode ter uma grande valia por ser preservado. E complementa o pesquisador: “o mundo, e a Amazônia de um modo especial, não pode ser visto apenas como um local do qual se retira o que se precisa ou o que pode gerar lucro, uma vez que é um sistema muito suscetível a danos. É grandioso, mas muito frágil. Nós temos tanta abundância de recursos naturais que o ‘não uso’ deles pode possibilitar uma agregação de valor e uma lógica econômica que privilegie um desenvolvimento mais justo e igualitário”. A UFPA tem trabalhado para gerar essa consciência.
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