sexta-feira, 4 de julho de 2014

O medo que o PT tem.


Deterioração das relações entre o PT e movimentos sociais leva o governo a enfrentar uma onda de protestos e greves pelo País. Dilma teme que mobilizações, engrossadas por oportunistas, se intensifiquem durante a Copa e prejudiquem a reeleição

O governo respirou aliviado na quinta-feira 15 quando fez um balanço das greves e manifestações do dia. Ao contrário da ameaça de centrais sindicais e movimentos populares de colocarem milhões de manifestantes nas ruas e paralisarem centenas de categorias pelo País, os protestos ficaram aquém da expectativa. A barganha às vésperas da Copa do Mundo, que misturou de velhas demandas a mobilizações oportunistas, parece não ter conquistado ainda o apoio necessário para inundar as ruas, como seus líderes desejavam. Apesar do respiro momentâneo, o governo atravessou a última semana com uma certeza e um caminho a seguir na tentativa de debelar futuras ameaças de paralisações e protestos. A certeza é de que a gestão de Dilma perdeu o controle e a influência exercida desde o governo Lula sobre os movimentos sociais, como os por moradia e de trabalhadores, historicamente ligados ao PT. Não à toa, em Belo Horizonte, servidores públicos municipais cruzaram os braços e, em Pernambuco, instalou-se um clima de pânico com a greve de integrantes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros. Em meio à atmosfera beligerante, tanques do Exército ocuparam as ruas no Recife. Em São Paulo, movimentos por moradia e grevistas pararam avenidas importantes da capital.

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O CLIMA ESQUENTOU
Em São Paulo, integrantes do movimento dos sem-teto
protestaram em frente ao Itaquerão, ateando fogo em pneus

Diferentemente das manifestações de junho, porém, quando as depredações e os protestos foram encabeçados por movimentos anarquistas, os chamados Black Blocs, com os quais o Planalto não conseguia estabelecer um diálogo, o governo desta vez terá caminhos e maneiras de retomar o canal de comunicação com os manifestantes. Para a sorte da presidenta, ao contrário do ano passado, os atuais manifestantes possuem líderes dispostos a sentar à mesa de negociações.

O que eles esperam é uma mudança de postura do governo. Ao contrário de Lula, que mantinha um canal direto com as lideranças sociais, Dilma relegou os movimentos a segundo plano. Nos bastidores, dirigentes de centrais sindicais reclamam que a presidenta mostra-se pouco disposta ao diálogo e age de maneira intransigente diante de pautas de reivindicações. Esse alegado descaso fez com que até a Central Única dos Trabalhadores (CUT), braço sindical do PT, chegasse a reclamar do governo durante a greve de servidores federais em 2012. Já a Força Sindical, segunda maior central do País, passou de aliada de primeira hora a ferrenha opositora de Dilma, sendo uma das articuladoras da onda de greves, em que propaga críticas também à área econômica da gestão federal. “Este governo não atende os trabalhadores”, reclama o presidente da Força Sindical, Miguel Torres, cotado para vice na chapa de Aécio Neves (PSDB) ao Planalto. “Por isso, continuaremos nas ruas dispostos a influenciar, mais uma vez, os destinos do País”, diz ele.

Dirigentes petistas reclamam que Dilma, logo após assumir, desmontou um poderoso aparato que servia como espécie de termômetro dos movimentos sociais no governo Lula. Com larga experiência nas organizações de trabalhadores, o ex-presidente havia nomeado para cargos na máquina federal ex-dirigentes da CUT. Eles tinham, na prática, a função de atuar junto a movimentos estratégicos contornando crises ou alertando o Palácio do Planalto sobre eventuais focos de insatisfação. Sem esse mecanismo, a presidenta acabou sendo pega de surpresa em greves de servidores e nas manifestações de junho.

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Para sindicalistas e até integrantes do governo, as paralisações poderão se intensificar dias antes do início da Copa do Mundo. De acordo com uma estimativa da Central Sindical e Popular (CSP-Conlutas), cerca de um milhão de trabalhadores irão às ruas, nos próximos dois meses, em todos os Estados. Já a Força Sindical calcula que quatro milhões de trabalhadores se mobilizarão por melhorias salariais e condições de trabalho. A coincidência entre o período da Copa do Mundo e a data-base (negociações salariais) de importantes categorias, além do momento eleitoral, deu um forte poder de barganha aos trabalhadores. “É uma janela de oportunidade”, diz Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), referindo-se às vantagens de se negociar quando do outro lado há o temor de que ocorram greves que prejudiquem o evento ou mobilizações que atraiam a atenção da imprensa internacional. Outras nações que sediaram os grandes eventos esportivos também registraram ameaças de greve. Às vésperas da Copa do Mundo de 2010, por exemplo, o governo sul-africano enfrentou paralisações até de centrais sindicais historicamente aliadas. No Reino Unido, os trabalhadores da área de serviços públicos também ensaiaram uma greve antes dos jogos olímpicos de 2012.

Pressionados pelos sindicalistas e pelos movimentos sociais, a presidenta Dilma e seus auxiliares tentam sufocar essas ações de todas as formas. Nas últimas semanas, o governo acionou a Justiça para isolar uma possível paralisação na Polícia Federal durante a Copa do Mundo, num movimento estranho à história do PT. Obteve uma liminar, que multa a representação da categoria em R$ 200 mil por dia de greve e proíbe os policiais de adotarem a chamada operação-padrão ou qualquer “outra ação organizada que, direta ou indiretamente, venha a interferir nas rotinas, condutas e nos protocolos estabelecidos e normalmente adotados, no âmbito interno e no tratamento ao público”. Só que, em vez de intimidar a categoria, a medida piorou a relação entre os policiais e o governo. “Se não tivermos nenhuma resposta positiva do governo, paramos na Copa. Isso vai afetar principalmente os aeroportos, por onde poderão conseguir passar procurados pela Interpol, terroristas e outro tipo de gente que não queremos aqui”, declarou André Mello, presidente do sindicado dos servidores da Polícia Federal no Rio de Janeiro.

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Em entrevista às páginas vermelhas de ISTOÉ nesta edição, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, diz acreditar que, a despeito do clima adverso, haverá “tranquilidade” para a realização dos Jogos. “Se houver problemas, a Polícia Federal estará preparada”, afirmou. O principal objetivo do governo, no curto prazo, é evitar a todo custo possíveis protestos no dia 12 de junho, data do jogo de abertura da Copa, quando movimentos sociais articulam uma série de manifestações simultâneas no Brasil e no Exterior. A conferir se até lá os canais de comunicação com setores historicamente ligados ao PT serão desobstruídos.

Extraído revista IstoÉ edição 2321. 

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