quarta-feira, 16 de julho de 2014

BRICS agora é realidade

Após dois anos, Brics formaliza criação de banco para financiar obras
Acordo foi assinado durante reunião de cúpula em Fortaleza. Brasil indicará o 1° presidente do Conselho de Administração do banco.

Por Fábio Amato, André Teixeira e Gabriela Alves

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, Dilma Rousseff, presidente da China, Xi Jinping, e da África do Sul, Jacob Zuma (Foto: Nelson Almeida/AFP)
Vladimir Putin, presidente da Rússia, Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia, presidente Dilma Rousseff, Xi Jinping, presidente da China, e Jacob Zuma, presidente da África do Sul (Foto: Nelson Almeida/AFP)

Os presidentes de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que compõem o Brics, assinaram nesta terça-feira (15) um acordo que oficializa a criação do chamado Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), cujo objetivo será o financiamento de projetos de infraestrutura em países emergentes.

O Brasil poderá indicar o primeiro presidente do Conselho de Administração do banco. Já a Índia terá o direito de indicar o primeiro presidente e, a Rússia, o presidente do Conselho de Governadores. A China venceu a disputa para sediar a instituição, que ficará em Xangai. A África do Sul vai sediar o Centro Regional Africano do banco.

O Conselho de Administração terá entre suas funções decidir sobre planos de investimento e de expansão. O Conselho de Governadores vai ser responsável por supervisionar o cumprimento de diretrizes. Haverá ainda uma diretoria que vai analisar os projetos apresentados e implementar os empréstimos.

Pelos termos do acordo, haverá rotatividade na presidência do banco. Depois da Índia, o Brasil terá direito a chefiar a instituição, seguido por Rússia, África do Sul e China. Os mandatos serão de 5 anos. A criação do banco precisa ser aprovada pelos Congressos dos países para sair do papel.

A formalização do NBD, após pelo menos dois anos de negociações, aconteceu durante a reunião de cúpula em Fortaleza. Essa é a primeira ação concreta do Brics e chega num momento em que o grupo perde prestígio junto aos investidores, devido à desaceleração do crescimento das economias – especialmente do Brasil.

Até agora, as reuniões de cúpula (esta é a sexta) tinham servido basicamente como palco para discursos. Os cinco países também demonstraram dificuldade para chegar a acordos – por exemplo, para apoiar um nome de consenso para disputar a presidência do Banco Mundial em 2012. A expectativa agora é de que a parceria avance com mais velocidade.

Capital de US$ 50 bilhões
O NBD vai ter capital inicial de US$ 50 bilhões, divididos igualmente entre os membros fundadores. Entretanto, diz comunicado, há uma autorização para que esse valor chegue a US$ 100 bilhões. Os empréstimos também poderão ser concedidos a países emergentes fora do Brics.

De acordo com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, os países terão prazo de 7 anos para disponibilizar o valor, em parcelas crescentes. No caso do Brasil, o aporte virá de recursos do Tesouro. O acordo também permite que novos países se associem ao banco. Entretanto, os cinco fundadores deverão manter um mínimo de 55% de participação conjunta.

Mantega disse que ainda é “muito cedo” para falar dos juros sobre os empréstimos, mas apontou que serão “taxas razoáveis.” Ele afirmou ainda que “exigências normais” serão feitas aos países candidatos a financiamento, entre elas de contrapartidas ambientais e sociais.

Dinheiro em falta
A presidente Dilma Rousseff disse em seu discurso que a criação do banco é um passo importante para  o "aperfeiçoamento da arquitetura de financiamento global.” De acordo com ela, nações que hoje não encontram crédito em instituições tradicionais poderão recorrer a ele.

“O banco representa uma alternativa para as necessidades de financiamento de infraestrutura dos países em desenvolvimento, compreendendo e compensando a insuficiência de crédito nas principais instituições financeiras internacionais”, disse Dilma.

O presidente da China, Xi Jinping, disse que o NBD vai ajudar no desenvolvimento dos países e contribuir para aumentar a influência dos membros do Brics. “Esse desejo político para o desenvolvimento comum ajudará a aumentar o nível da voz do Brics mas, mais importante, ajudará a trazer benefícios aos nossos e a outros países pela via do desenvolvimento”, disse.

Xi disse ainda que a China, como sede do banco, vai manter a cooperação com os parceiros do grupo visando seu bom funcionamento. Ele afirmou que espera que a instituição comece a funcionar o mais rápido possível.

O primeiro ministro da Índia, Narendra Modi, que vai indicar o primeiro presidente do banco, disse que a instituição terá o poder de intensificar a ajuda financeira a países em “tempos econômicos instáveis.” De acordo com ele, a partir da criação do banco o Brics poderá ter mais ambição e se transformar em uma “plataforma de impacto global.”

Durante entrevista ao final da reunião em Fortaleza, a presidente Dilma negou que o Brasil tenha desistido da presidência do banco para viabilizar o acordo. “A Índia propôs a criação do banco, então achamos que seria justo que a primeira presidência ficasse com quem propôs”, afirmou a presidente.

Fundo anticrise
Durante o encontro também foi oficializada a criação de um fundo anticrise, anunciado em junho de 2012 e que era alvo de negociações entre os cinco países. A ideia é que esse seja um mecanismo de socorro aos países em caso de turbulências financeiras, parecido com o que faz o Fundo Monetário Internacional (FMI). Ele poderá ser acionado quando os governos estiverem com problemas temporários no balanço de pagamentos (total de recursos que entram e saem do país).

O país que pedir recursos receberá em dólares e, em contrapartida, fornecerá sua moeda aos países contribuintes, em montante e por período determinados. Isso aliviará os governos de ter de fazer esse tipo de transação apenas em dólares, poupando as reservas internacionais.

O fundo dos Brics terá US$ 100 bilhões. A China ficará responsável por US$ 41 bilhões deste total. Brasil, Índia e Rússia, por US$ 18 bilhões cada, e África do Sul, por US$ 5 bilhões.

Para começar a funcionar, o fundo dependerá de aprovação em cada país. No caso do Brasil, será necessária votação no Congresso Nacional.

FMI e Banco Mundial
A presidente também afirmou que a criação do banco e do fundo anticrise é “uma resposta concreta” à demora na implementação de reformas na governança do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Essas reformas, que visam dar mais poder de voz aos países emergentes nesses órgãos, foram aprovadas em 2010 mas, apesar da pressão do Brics, ainda não saíram do papel.

“[A demora na implementação das reformas] faz com que façamos a nossa parte e não fiquemos só reivindicando”, disse Dilma. Segundo ela, porém, a decisão desta terça não afasta a possibilidade de os países continuarem a operar com esses órgãos.

Olhar generoso
A presidente disse ainda que não está definido como será a relação do banco dos Brics e do fundo anticrise com países de fora do grupo. Ela afirmou, porém, que eventuais pedidos de empréstimo serão analisados, inclusive da Argentina.

“Vamos olhar com toda a generosidade para os países em desenvolvimento. Se a Argentina vai ser beneficiada, é algo que vai ser avaliado. Primeiro é preciso que a Argentina peça”, disse.

Brics
O acrônimo Brics foi criado no início da década passada por um economista do Goldman Sachs para designar os países emergentes que, nos anos seguintes, seriam foco de crescimento econômico no mundo e da atenção dos investidores. Na época, estavam incluídos Brasil, Rússia, Índia e China, que, alguns anos depois, aproveitariam a atenção despertada para dar início à aliança.

A primeira reunião formal de cúpula aconteceu apenas em 2009. A união de forças tinha como principal meta elevar o poder dos quatro países no G20 – o grupo que reúne as 20 maiores economias mundiais – para pressionar por uma reforma do sistema financeiro, abalado pela crise, e mudanças na governança de organismos como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, controlados por EUA e seus aliados.



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