Na última terça-feira (28), a Assembleia Geral da ONU condenou de forma maciça – pela 23ª vez – as décadas de bloqueio econômico dos EUA contra Cuba. Na reunião dos 193 países, 188 deles votaram pela resolução chamada “Necessidade de terminar o embargo econômico, financeiro e comercial imposto pelos Estados Unidos da América contra Cuba”.
Como nas últimas vezes, os únicos países a votarem contra a resolução foram os EUA e apenas um aliado, Israel. As nações insulares de Palau, Ilhas Mashall e Micronésia, do Oceano Pacífico, se abstiveram – exatamente como no ano passado. Exceto que, dessa vez, diversos países exaltaram a ilha caribenha por sua pronta e eficiente resposta à epidemia de ebola que está devastando a África Ocidental.
Em discurso na Assembleia, o ministro das relações exteriores de Cuba, Bruno Rodriguez, apelou para que os EUA mudassem o curso de um embargo que já prejudicou muito o povo cubano, além de ter sido responsável por prejuízos econômicos que já passaram de 1 trilhão de dólares ao longo das cinco décadas de bloqueio: “Nós convidamos o governo dos EUA a estabelecer relações mutuamente respeitosas [...] Nós podemos conviver um com o outro de uma maneira civilizada, apesar de nossas diferenças”, disse Rodriguez, concluindo com a famosa estima cubana: “Cuba nunca abdicará de nossa soberania”. Washington cortou relações com Havana, impondo um embargo comercial à ilha caribenha há mais de meio século, ainda durante a Guerra Fria.
Para explicar o que significa a unânime desaprovação mundial do tratamento norte-americano a Cuba – contando com praticamente todos os seus aliados ocidentais e árabes – e como a dinâmica política interna dos EUA, assim como o lobby dos cubanos exilados no estado da Florida, ainda influencia Washington no trato com Havana, Fórum conversou com Luis Fernando Ayerbe, Coordenador do Instituto de Estudos Econômicos Internacionais da Unesp.
Revista Fórum: O que significa, em termos práticos, a Assembleia Geral ter sido praticamente unânime pelo fim do embargo a Cuba, e os EUA, junto de Israel, votarem contra?
Luis Fernando Ayerbe: Já ocorreram mais de 20 votações pedindo o fim do embargo desde a sua primeira vez e sempre perdeu. Mas antes tinham mais abstenções e um pouco mais de votos contras e agora só tiveram dois contras: EUA e Israel, um isolamento total. Chega a ser, digamos, ridículo se não fosse trágico; porque não muda a realidade das relações dos EUA com Cuba, mas demonstra esse isolamento. Afinal, há um consenso geral que continuar com esse bloqueio é um absurdo.
Agora, tem um lado em que há pressões dentro dos EUA – tendo até mesmo [Barack] Obama dizendo que essa situação mudaria, pois temos uma nova geração com outra trajetória, que não acredita que continuar com o bloqueio seja bom para os EUA. Mas é difícil isso ser assumido, pois comprar essa briga é complicado. Há uma tendência dentro do governo dos EUA, assim como da opinião pública – ainda mais com o combate de Cuba ao ebola -, então há uma situação geral que pressiona os EUA, mas também há um lobby interno no país muito forte que impede a normalização das relações.
Então, não vai mudar tão proximamente, talvez se Obama for sucedido por Hillary Clinton, a tendência seja, em algum momento, resolver essa questão. Mas com a votação que teve ontem, não vai mudar nada.
Revista Fórum: O que ainda norteia essa política de manutenção do embargo?
Ayerbe: Tem duas leis que foram votadas com [Bill] Clinton: a Lei Torricelli e a Lei Helms-Burton, que endurecem o bloqueio a Cuba. Então, tirar o bloqueio não é decisão do presidente, ele tem de ter maioria no Congresso para elas deixarem de existir. Então, o presidente não pode tomar a decisão unilateral de acabar com o bloqueio, ele pode abrandar as medidas e etc. Isso é mais um problema de política interna, embora tenha mudado a correlação de força, pois a nova geração dos filhos dos cubanos exilados não é tão radical quanto a isso. Mas o grande problema nos EUA é o lobby interno, principalmente em Miami e no âmbito do partido republicano.
Existem também outros aspectos que estão pesando agora, que são de uma lógica de custo-benefício, sem entrar na questão da ideologia. É o caso das intervenções dos EUA no exterior, que estão trazendo efeitos colaterais que se voltam contra o país, como no caso do Iraque – com o surgimento do Estado Islâmico, ou na Líbia ou Síria. Você desestabiliza governos em nome da democracia, mas não consegue substituir por nada sustentável e isso gera situações de guerra civil, agora comuns na região.
No caso de Cuba, você pressionar um país, tentar asfixiá-lo por conta da escolha do regime político se torna, nesse momento, algo contraproducente, principalmente pela estabilidade na região. O Caribe é uma região importante para os EUA e Cuba tem um papel estabilizador de alguma forma. Mas a votação ajuda, pois só tem dois países contra. Isso é uma pressão permanente, mas ainda nada mudará.
Revista Fórum: É possível dizer que, por conta do colégio eleitoral da Flórida, onde o lobby de cubanos exilados é forte, seria um suicídio político para os congressistas não pressionarem tanto pela normalização das relações com Cuba?
Ayerbe: O problema é o seguinte: o momento para melhorar radicalmente [as relações] seria no segundo mandato de Obama, pois ele não teria mais as urgências de reeleição, mas há toda uma pressão e críticas para com sua política externa, chamando-a de vacilante, que não tem estratégia, até questionando a aproximação com o Irã. Então, dar um passo nesse momento para normalizar as relações com Cuba, ocorrendo esse tipo de pressão, não seria politicamente interessante para Obama. Ele tem outras prioridades.
Assim sendo, a questão do lobby, hoje, não é tanto uma questão eleitoral, como foi na época de Clinton, onde o colégio eleitoral pesou em suas decisões. Isso é mais o contexto em que os EUA enfrentam problemas em outras regiões e a política externa de Obama quer marcar a posição de que tem uma estratégia, de que não é vacilante, que não se deixa levar pela Rússia ou pelo Irã. Acho que, em um próximo governo democrata, talvez Cuba se torne mais importante.
Revista Fórum: E em um republicano, não?
Ayerbe: Em um republicano teria que ver a tendência, em que contexto o presidente se elegeu, quais são as forças políticas dentro do partido. Digamos que, em um próximo governo democrata, que provavelmente seria Hillary Clinton, já existirá uma trajetória, onde já se sabe que internamente não haveria grandes questionamentos sobre a normalização das relações, mas com um partido republicano, haverá outra correlação de forças e me parece que esse não seria um tema imediato.
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