A Celac desenha uma nova realidade geopolítica na América Latina.
Celebrada em Havana, sob a presidência cubana, e encerrada quarta-feira (29), a 2ª Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) acrescentou novos traços no desenho de uma nova realidade geopolítica na região, que vai sendo construída em franca oposição à política hegemonista e imperialista dos Estados Unidos.
A Celac foi fundada em Caracas no final de 2011 como contraponto à Organização dos Estados Americanos (OEA). Esta última instituição excluiu Cuba do seu quadro de sócios e é completamente dominada pelos norte-americanos. Já a Celac reúne 33 países americanos, inclusive a Ilha socialista, não admite representantes dos EUA e Canadá e propugna a integração soberana e democrática dos países que compõem a comunidade.
Zona de Paz
Entre as resoluções da cúpula cumpre destacar a proclamação da região como Zona de Paz e livre de armas nucleares, proposta pelos cubanos. As resoluções são aprovadas por unanimidade, por sugestão de países alinhados com o império. As 33 nações da comunidade reclamaram o fim do criminoso bloqueio que os EUA impõem a Cuba desde 1962 e assumiram o compromisso de “não intervir direta ou indiretamente” em eventuais conflitos internos dos vizinhos. O recado ao império é claro.
O texto aprovado prevê apoio à reconstrução e ao desenvolvimento do Haiti, combate à fome e à desigualdade social, apoio à reivindicação da Argentina de soberania sobre as Ilhas Malvinas e presta uma homenagem ao ex-presidente da Venezuela, Hugo Chávez, comandante da revolução bolivariana que morreu em março do ano passado.
Outra decisão importante foi a criação de um foro Celac-China, que deve enfatizar os temas econômicos e o papel a cada dia mais relevante que a nova potência asiática joga na região e no mundo. A China já se transformou na maior potência comercial do planeta, tendo superado os EUA, e também é a principal parceira econômica e financeira do Brasil. Já a participação da América Latina no total do comércio chinês cresceu de 1,9% em 1996 para 4,1% em 2006.
Transição
A transição para um novo cenário geopolítico nas Américas do Sul, Latina e Caribenha foi impulsionada pela eleição de líderes progressistas em diferentes países da região, começando por Hugo Chávez na Venezuela, em 1988. Chávez resgatou as ideias integracionistas de Simon Bolívar e foi o principal incentivador da unidade regional.
A vitória de Lula em 2002 também contribuiu enormemente para que as iniciativas de integração prosperassem, dado o papel natural de liderança que o Brasil, hoje a sexta maior economia do mundo, está destinado a exercer na região. Desde então, foram criadas a União das Nações Latino-americanas (Unasul), a Aliança Bolivariana para as Américas (Alba) e ampliado o Mercosul, com a incorporação da Venezuela.
Embora não se possa falar em um projeto claro e detalhado de integração, passos significativos foram e estão a ser dados nesta direção, num movimento que contraria os interesses dos EUA e se opõe objetivamente à sua política imperialista. Teve grande significado neste sentido a derrota da Alca (Área de Livro Comércio das Américas, proposta por Washington), cujo enterro sem lágrimas foi solenemente promovido em 2005 na cidade argentina de La Plata.
Este processo histórico tem por pano de fundo o declínio da liderança econômica e política dos EUA em todo o mundo e também nas Américas, cuja contrapartida é a ascensão da China e, junto com ela, do Brics, configurando-se um deslocamento do poder industrial do Ocidente para o Oriente e do Norte para o Sul. Criou-se uma nova correlação de forças na esfera econômica, da qual emana naturalmente a necessidade de uma outra ordem mundial, que já não poderá mais ser comandada pelos EUA.
Celac e Brics
As resoluções da Celac, assim como as do Brics, apontam nesta direção. Há muita sintonia e convergência de interesses entre a comunidade americana e o grupo de grandes países do Sul (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) criado em 2009. A fundação de um banco de desenvolvimento do Brics pode facilitar os investimentos em infraestrutura e ajudar a viabilizar a integração física da nossa região.
Os acontecimentos em curso respondem a processos históricos que em larga medida são objetivos, determinados por leis que, embora decorrentes das ações dos homens e das mulheres, de certa forma escapam ao controle humano, como é o caso do desenvolvimento desigual das nações e do parasitismo.
Embora o declínio da sua liderança econômica seja hoje evidente, os EUA ainda dispõem de um poder imperialista extraordinário, inclusive no plano econômico. Mantêm, sobretudo, uma indiscutível supremacia na esfera militar e estão claramente resistindo à mudança em curso, que busca seu caminho através do conflito entre o velho, que não quer morrer, e o novo, que ainda luta para se estabelecer.
A tentação bélica
É certo que a transição começa no plano econômico, e este tem papel determinante na história, mas só se resolve nas esferas política e militar. Por isto, o movimento em curso está longe de poder ser considerado definido ou consolidado. A reação do império à integração rebelde da região, num projeto que busca fugir à sua influência, é visível.
No plano econômico, os EUA apostam na Aliança do Pacífico em contraposição ao Mercosul, nas esferas política e militar nota-se o apoio ostensivo ou velado às iniciativas golpistas, fracassadas na Venezuela, na Bolívia e no Equador até o momento, mas melhor sucedidas em Honduras e no Paraguai; o financiamento da mídia golpista e das forças conservadoras; a reativação da Quarta Frota; a instalação de novas bases militares na Colômbia e o vasto programa de espionagem internacional denunciado por Snowden. Não são gestos de quem preza e promove a paz.
As burguesias locais podem se beneficiar do processo de integração, como revelam os investimentos da Odebrecht e outras multinacionais brasileiras. Mas a fração dominante desta classe decadente, que monopoliza a mídia, está fortemente amarrada ao anticomunismo e ao Consenso de Washington, funcionando antes como uma reserva ou uma quinta coluna do imperialismo contra os governos progressistas.
Não é pouco provável que o império venha a cair na tentação de recorrer à supremacia militar para manter a hegemonia ameaçada. Os países da Celac carecem de poder militar e não possuem armas nucleares. A força da organização, que se consolida contra os prognósticos da direita e a oposição do império, provém basicamente da unidade na diversidade e do anseio comum dos povos pelo desenvolvimento soberano, democrático e pacífico. E não restam dúvidas de que o movimento em curso, embora não seja imune a retrocessos, vai ao encontro dos ventos que sopram atualmente na história.
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